segunda-feira, 1 de julho de 2013

Em pleno 25 anos de SUS, Brasil vai à rua exigir melhorias na saúde pública

SAÚDE

por Jorge Henrique, de Brasília


A onda de protestos que varre o Brasil, entre outras questões centrais, exige dos governos melhorias na saúde pública. Curiosamente, em 2013 o Sistema Único de Saúde (SUS) completou 25 anos de existência, mas, não houve o que comemorar. Contudo, as precárias condições enfrentadas pela saúde pública brasileira, são resultado da ideologia da década de 1990, o receituário neoliberal, com as políticas de privatização. Mas também, desde a origem, o SUS admitiu, no seu interior, a existência do sistema complementar privado, rival no orçamento público, e ainda hoje sofre com novas propostas, que com a promessa de melhoria na gestão, se revelam ser mais privatização. Assim, além do necessário aumento do gasto em saúde, em detrimento de despesas públicos como o pagamento de juros da dívida pública, é preciso instituir o caráter público do SUS, e pôr fim a velhos e novos projetos privatizantes.

O SUS

No ano de 1988 o movimento da reforma sanitária brasileira protagonizou uma das vitórias mais importantes no contexto de redemocratização do país, a inscrição na Constituição Federal de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, isto é, um bem público e universal, em que todas as pessoas têm acesso gratuito. Naquele momento surgia o Sistema Único de Saúde (SUS), fruto de grandes lutas populares e sindicais que ocorreram na década de 1980. 

Em 2013 o SUS completou 25 anos de existência, mas, por outro lado, não tivemos o que comemorar. Crise nos Hospitais Federais, sucateamento e privatização de hospitais universitários, diminuição dos gastos públicos na saúde, desvios de verbas, terceirização dos serviços de saúde básica e hospitais superlotados são alguns exemplos que revelam a situação da Saúde no Brasil. 

A lógica do modelo assistencial do SUS, que privilegia a atenção hospitalar e que, na ausência do Estado, terceiriza a assistência com a contratação do setor privado filantrópico, vem consolidando este setor como o principal prestador da atenção hospitalar no país. O setor público tornou-se um grande comprador dos serviços médicos, permitindo que as empresas médicas privadas ou agências seguradoras fiquem responsáveis pela assistência médica ou clínica e pelos procedimentos de alta complexidade, de maior lucratividade.

Gasto público em saúde

Para se ter uma idéia, o sistema complementar é mais rico em verbas que o próprio Sistema Único de Saúde. O SUS gastou em 2008 R$ 103,3 bilhões, enquanto o sistema complementar gastou R$ 56,9 bilhões. Acontece que o SUS gastou os R$ 103,3 bilhões para atender os 189,6 milhões de habitantes, enquanto o sistema complementar gastou seus R$ 56,9 bilhões para atender, no máximo, 40 milhões de pessoas. Resumindo, o SUS gastou, em 2013, a quantia de R$ 1,49 por pessoa por dia, enquanto o sistema complementar gastou R$ 3,89 por dia por paciente. 

O problema é que a origem das verbas de financiamento da saúde foi mal definida quando o SUS foi criado, tendo havido apenas um indicativo de que fosse 30% do orçamento da seguridade social. Boa parte das verbas para a saúde vem das contribuições sociais: a Contribuição do financiamento da seguridade social sobre faturamento das empresas (Cofins) entra com 21% e a Contribuição sobre Lucro Líquido das empresas (CSLL) entra com 39% da verba. O resto é completado por impostos, que somam 10% da verba e pela CPMF (até 2007). 

Os governos priorizam as contribuições sociais e não os impostos, pois é uma fonte mais instável de financiamento, o que facilita as manipulações de acordo com o interesse político em jogo. Isso deixa a saúde a mercê dos governos, que ao longo dos anos, ameaçam seu funcionamento com redução dos gastos públicos no setor e cortes no financiamento.  

Sabemos que os governos atacam as verbas do SUS por opção política. Um exemplo disso ocorreu em 2007 quando o Brasil pagou R$ 160 bilhões em juros da dívida (externa e interna), mais que o triplo de todo o orçamento do Ministério da Saúde para aquele ano. Para garantir este pagamento, o governo precisa obter superávit primário, cortando os gastos com saúde e aposentadorias, itens que fazem parte da seguridade social.

Um levantamento do Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal mostra que a União deixou de aplicar na Saúde quase R$ 5,5 bi entre 2000 e 2009. Essa quantia seria necessária para o cumprimento da Emenda Constitucional 29 (EC – 29), que foi pensada com o objetivo de fixar uma contribuição mínima do governo para os gastos com o SUS.

Outra forma de confirmarmos o descaso com a saúde é checando a porcentagem do PIB gasta pelo ministério da saúde nos últimos anos. Desde 1995 (governo FHC) até 2013, a porcentagem gasta flutua entre 1,5 e 1,7% do PIB. Já os gastos com a dívida pública no governo FHC e no governo Lula e Dilma variaram em 5,2 e 17,3% do PIB. A Organização Mundial de Saúde (OMS) defende que o gasto público mínimo em saúde nos países em que o sistema é universalizado seja de 6% do PIB. Isso mostra que a preocupação dos governos com a saúde é igual e praticamente não existe

Novas formas de privatizações na Saúde

Para completar, estamos enfrentando uma das maiores crises da sociedade capitalista. Demissões em massa, retirada de direitos e aumento da exploração da força de trabalho são alguns exemplos do que está sendo aplicado contra a população para manter os lucros das grandes empresas e dos banqueiros. Como a lógica das políticas do governo Lula e Dilma é a do Estado mínimo para os direitos sociais, significa que a saúde pública também é mínima. Isso faz com que a saúde se configure entre os setores mais sucateados, marcada pelas privatizações e pela precarização do trabalho. Situação essa, que tende a se intensificar em tempos de crise. 

A essa lógica agrega-se ainda uma nova faceta, que é a introdução na gestão dos serviços públicos de saúde - Hospitais públicos e outros serviços de saúde como os PSFs - agências privadas denominadas ‘organizações sociais’ (OS), que lucram muito com a otimização da relação custo-benefício e com a quantidade e não com a qualidade da atenção prestada à população, além de reafirmarem uma lógica mercadológica para os profissionais, que passam a ter metas de atendimentos com contratos precarizados e sem estabilidade.

Mas as privatizações não param por aí! Em 2007 o Banco Mundial divulgou um relatório a pedido do Ministério da Saúde com avaliações e propostas para “aumentar” a qualidade da gestão e racionalizar o gasto público do SUS. Para estas instituições os problemas do SUS não ocorrem devido às poucas verbas, mas justificam-se pela ineficiência ou incompetência dos seus gestores, sendo necessário, então, políticas de saúde que visam o aprimoramento da gestão. Mas como isso é possível sem uma política de financiamento efetiva e condizente com as necessidades de saúde da população? 

Os recentes programas do Ministério da Saúde mostram como isso será possível: com o racionamento dos gastos e com a qualificação da gestão aliados à formação profissional para o SUS.

A formação dos profissionais visa capacitá-los tecnicamente para o atendimento nos PSFs (Programa de Saúde da Família) - estratégia de saúde na atenção básica, que na prática, está totalmente desvinculada com necessárias melhorias nas condições de trabalho, de salário e de moradia da população. Na prática são profissionais formados e com relativo conhecimento sobre trabalho no SUS, mas atuando em estrutura precária, alta demanda de atendimentos e salários baixos. 

Em relação ao aprimoramento da gestão, a proposta é uma modernização na gestão da saúde pública através da implantação de um novo modelo de gestão: as Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP). O projeto é uma complementação das ações privatizantes que os diferentes governos (Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso) desenvolveram no Brasil desde o início dos anos 1990 aos dias de hoje com Dilma Roussef.

Pela FEDP, será possível organizar todo o trabalho e gestão em saúde através de parâmetros da administração privada, regida pela exploração do trabalho, autonomia financeira e pela relação público-privada, através das parcerias com o capital privado.
As trabalhadoras e trabalhadores de saúde perderão a estabilidade garantida pelo Estatuto do Funcionalismo Público e serão obrigados a seguirem metas de produtividade indicadas pelas fundações, ou seja, deverão ser mais competitivos e competentes numa estrutura precária de trabalho somente com o intuito de acumular capital. Como existem metas de produtividade, quem não cumprir as metas poderá ser demitido. Nesse sentido, as fundações estatais tentam aniquilar qualquer tentativa de organização política por parte destes trabalhadores. 

Crise e superação

O impacto de todas essas políticas incrementadas pelos capitalistas nacionais e internacionais e que tem por objetivo a superexploração do trabalho e a conseqüente miséria da população, pode ser verificado pela violência urbana que presenciamos no nosso cotidiano. É um fenômeno intimamente associado ao quadro de desigualdades que se instalou no país. Os homicídios e agressões comprovam este fato ao se configurarem como as principais causas de morte no país, tornando a violência um grave problema de saúde pública

É preciso que os estudantes, os profissionais e a população retomem a concepção de saúde que a define como o resultado das relações sociais que os homens estabelecem no processo de produção de sua existência e das relações que os homens estabelecem com as formas de organização social da produção material, que permitem ou não maior qualidade de vida, acesso à alimentação saudável, à moradia, à educação, ao trabalho, ao lazer, a serviços de saúde, entre outros. A própria doença não pode ser mais pensada, ou reduzida ao corpo biológico. É necessário considerar também o corpo socialmente investido, livre da exploração e das mazelas da sociedade.

Jorge Henrique é enfermeiro e servidor público da secretaria de saúde do Distrito Federal

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