terça-feira, 16 de julho de 2013

Primeiras impressões: o que colocou milhões nas ruas

Por Ademar Lourenço, de Brasília

A primeira onda de mobilizações que colocou milhões de pessoas nas ruas de todo o Brasil já passou. É necessário formar nossas primeiras impressões com objetividade, avaliar os dados com atenção, conectar um ponto ao outro. Sem isso, podemos ser pegos por uma “nova onda” e morrermos afogados. E a primeira pergunta que surge é: porque agora, sem nenhum grande fato político, econômico, com um governo que gozava de popularidade e em meio a um grande evento esportivo?

O que aconteceu foi uma insatisfação como nosso sistema político. Insatisfação que, em parte, estavam se acumulando há muito tempo.  Bastou uma gota d´água, que foi o aumento das passagens de ônibus nas grandes cidades. Todas as manifestações que não aconteceram nos últimos 20 anos foram feitas. O acúmulo de insatisfações tem três níveis de profundidade. Vamos analisar:

Seis meses de inflação alta e famílias endividadas

44% da renda das famílias está comprometida com dívidas, segundo o Banco Central. Um recorde nunca antes alcançado. As pessoas foram às lojas nos últimos 10 anos e compraram de tudo, o que aqueceu o comércio. Mas a “bolha” do endividamento das famílias estourou: as pessoas entraram em uma bola de neve, têm que cortar despesas para pagar dívidas e a economia começa a minguar. O sonho de realizar as fantasias de consumo se tornou o pesadelo de ver o padrão de vida piorando por conta das dívidas.

Para completar, os preços dos alimentos sobem muito rápido. O tomate e a farinha de trigo mais que dobram os preços esse ano. Isso corrói ainda mais a vida dos assalariados, tanto os mais explorados quanto a chamada “classe média”. Junto com a enxurrada de filmes e músicas, ressurge outra moda da década de 80: ver o salário derreter no bolso. Para completar a onda retrô, porque não repetir as grandes mobilizações da época?

30 anos de democracia e as pessoas ainda são tratadas como lixo.

A Constituição de 1988 foi um grande pacto social. O povo não fez uma revolução, mas as elites tiveram que entregar muitos anéis para não perder os dedos. O resultado foi a promessa de uma série de garantias sociais e liberdades democráticas. O povo esperou 30 anos e as promessas não foram cumpridas.

A educação, a saúde e o transporte são muito ruins. E isto se torna mais evidente com o inchaço das cidades. Entre 1980 e 2010 a população urbana do Brasil saltou de 82 para 160 milhões (dados do IBGE). Os serviços públicos não acompanharam o crescimento da demanda. O transporte, que foi o estopim dos protestos, piorou até chegar a níveis insuportáveis. Além disso, a passagem sempre aumenta mais que a inflação há vários anos. O estopim foram os R$ 0,20.

O povo tem a sensação de que os serviços são ruins porque o dinheiro público vai para o ralo da corrupção. As pessoas ficam horas esperando em uma fila de hospital e os políticos vivem em mordomias com o dinheiro que poderia ser usada para melhorar a saúde. Não é uma questão de ser materialmente lesado, é a humilhação de ser roubado por quem deveria dar o exemplo. Depois de 30 anos de democracia formal, a corrupção continua e os políticos ainda vivem como se o país ainda fosse uma monarquia e eles a nobreza real.

Corrupção, serviços públicos ruins, e mesmo as liberdades democráticas se tornaram mais uma promessa não realizada. Os homossexuais tiveram que ver o congresso votando o projeto de “cura gay”, que os trata como doentes em pleno século XXI. As polícias ainda são militarizadas, seguindo exatamente o mesmo modelo da ditadura. Isto ficou visível para milhões nas repressões às mobilizações. Os grupos que controlam a mídia também são os mesmos da ditadura. A população que hoje assiste menos TV e fica no computador começou a contestar isso.

Modelo atual de estado não representa mais a população

Este é o aspecto mais profundo das mobilizações. E é o que conecta o Brasil ao resto do mundo. Há milhares de anos funciona um modelo de estado que tem em sua cabeça um dirigente, no comando de uma tropa armada e disciplinada, assessorado por burocratas e sustentado por uma casta de privilegiados. O Egito foi um dos primeiros lugares do mundo onde este modelo de estado foi colocado em prática no tempo dos faraós. Pois foi neste mesmo Egito que rebelião ganhou proporções históricas.


As pessoas estão deixando de aceitar que um pequeno grupo tome as decisões em nome delas. A população tem acesso à informação como nunca antes. A interação entre as pessoas hoje é mais fácil. As redes sociais são, em teoria, um meio de comunicação onde não há hierarquia. Não existe nas redes um “artista” em seu palco e um público na arquibancada, todo mundo fala para todo mundo. O Brasil foi atingido pela onda. Todas as instituições foram questionadas: partidos, congresso, até mesmo os movimentos sociais. O resultado disto é imprevisível.

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