segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O serviço público necessita de políticas afirmativas? Sim

por Almir Cezar, de Brasília

A presidenta Dilma Rousseff enviou na terça-feira (5) ao Congresso projeto de lei, em caráter de urgência constitucional, que destina 20% das vagas em concursos públicos federais para negros. “A sociedade brasileira tem que arcar com as consequências do longo período escravocrata”, disse a presidenta.

O anúncio do projeto de lei foi em meio à 3ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR), que reuniu até quinta-feira (7), 1.400 representantes de todos os estados e do Distrito Federal, entre convidados, membros do Poder Público e da sociedade civil, para debater as políticas de enfrentamento ao racismo e de promoção da igualdade. E não por acaso, acontece em novembro, mês da Consciência Negra, em que se comemora na maioria das grandes cidades e em vários estados, o feriado de Zumbi dos Palmares, em 20/11. A medida estabelece prazo de 45 dias para votação do projeto na Câmara e o mesmo período para o Senado, caso contrário tranca a pauta da Casa e proíbe a votação de outra matéria.

Embora, o projeto de lei da presidenta Dilma tenha óbvios fins eleitorais e viés populista, fica a pergunta de fundo: o serviço público necessita de políticas afirmativas? A resposta é sim, são necessários à medida que no serviço público, apesar do acesso pelo "meritocrático" concurso público, são presentes fortes desigualdades raciais e de gênero entre seus trabalhadores, e que os mecanismos de promoção parecem influenciados e reprodutores da desigualdades às mulheres e aos negros.

Mas para começar,  o que são políticas de ações afirmativas? São políticas que visam o desmonte de uma estrutura de privilégios existente na prática que conspira contra os direitos de alguns grupos. Objetivam fazer com que estes grupos vulneráveis à discriminação em uma sociedade, deixem de sê-lo, como condição primária a consecução da igualdade. Possuem, então, um caráter restaurador ou criador de equidade social.
A desigualdade e a discriminação de raça de gênero e raça são fenômenos relacionados à maioria da população. Em 2002 foi decretado o programa nacional de ações afirmativas (PNAA) que visa reduzir as desigualdades raciais e de gênero entre os servidores e incluir as pessoas com deficiência física. 

De todos os grupos vulneráveis a discriminações, dois tem as discriminações contra eles bem documentadas, evidenciadas e estudadas: as mulheres e os negros. A discriminação contra esses dois grupos geralmente apresenta uma longa história e um dos principais mecanismos de sua consecução na contemporaneidade são as diferenças educacionais. Apesar da organização política desses grupos em movimentos sociais que reivindicam a igualdade efetiva, mulheres e negros ainda encontram inúmeras barreiras sociais ao longo de suas vidas que os impedem de desfrutar os benefícios e oportunidades comumente disponíveis para os homens brancos.

Segundo o IBGE, 68% da PEA (População Economicamente Ativa) são compostos de mulheres brancas/negras e homens negros, sendo: 24% mulheres brancas, 18% mulheres negras e 26% de homens negros. Considerando somente as mulheres temos 42% da PEA e considerando a população negra, temos 44% da PEA. Mas na ocupação de cargos no serviço público enquanto mulheres e homens brancos ocupam hoje mais de 70% dos cargos no serviço público civil, a população negra chega a apenas 27%.

Este é um dos fatos usados como argumento em prol de ações afirmativas voltadas aos servidores é o de que a diversidade dos grupos sociais deve estar representada na composição da administração do estado, a existência de ações afirmativas para os servidores pode sensibilizá-los para os problemas das desigualdades produzidas por discriminações, o que contribui para a efetividade de ações afirmativas pára o publico em geral.

O Regime Jurídico Único (RJU) estabelece reserva de vagas para deficientes físicos nos concursos de ingresso, então a própria instituição do concurso não permite mais que se diga que existe discriminação direta para admissão de novos servidores. Entendendo como igualdade aqui o fato de fazerem a mesma prova.

A proporção de pessoas hoje que ingressam com nível superior no serviço público é mais de 50%, somados nível médio, chega a mais de 80%, porém o aumento de mulheres e homens brancos cresce, enquanto de mulheres e homens negros decresce, quanto maior a exigência de nível de escolaridade. No nível fundamental as mulheres negras são ampla maioria. Isso de uma forma geral mostra a desvantagem educacional dos servidores negros, sejam mulheres ou homens. Isso porque o serviço publico civil não é um mundo a parte,é um nicho particular do mercado de trabalho que reflete as desvantagens educacionais da população negra em geral.

Quando entramos no quesito cargo comissionado, funções gratificadas além do recorte de etnia, aparece gritante a desigualdade de gênero.

Considerando os cargos em comissão de forma geral a diferença fica camuflada, porque a maioria os cargos são de nível inferior e médio, poucos de alto escalão. Como as mulheres em sua maioria alcançam cargos de médio e inferiores, nos leva a crer que há uma homogeneidade na ocupação de cargos de direção e chefia. Mas isso não se mostra verdadeira quando analisamos os cargos em separado.

Quanto maior é o nível hierárquico do cargo, menor é a proporção de mulheres, há uma barreira de gênero para ascender na hierarquia, mais intensa para as mulheres negras, ao mesmo tempo em que parece haver um trampolim que coloca homens brancos ao alcance de cargos de alto nível hierárquico (neste caso inclusive os homens negros, mesmo que em proporção menos que os brancos alcancem altos níveis hierárquicos em proporção um pouco maior que as mulheres). Os mecanismos de promoção parecem influenciados e reprodutores de visões estereotipadas sobre as mulheres e os negros, como se não fossem capazes de desempenhar ocupações de alto nível de decisão e responsabilidade.

Cargos superiores de direção e decisão:
62% homens brancos; 18% homens negros, 17% mulheres brancas e 5% mulheres negras;

Cargos inferiores de direção e decisão: 
Única situação em que as mulheres brancas são maioria:
39% contra 37% de homens brancos, pequena diferença.
Enquanto mulheres e homens negros empatam em 11%.

Quanto maior a ascensão ao cargo menor a participação das mulheres. Este acesso a cargos de direção a apenas um grupo restrito de servidores possibilita diferenças salariais que refletem o mercado de trabalho da iniciativa privada

Os homens ganham em média mais que as mulheres; os brancos mais que os negros; os homens brancos mais que as mulheres brancas, as mulheres brancas mais que os homens negros e estes mais que as mulheres negras, estas vítimas de uma tripla discriminação e opressão (de gênero, etnia e origem social).

Tratar os desiguais como se iguais fossem perpetua as diferenças, pois declarar a igualdade não é suficiente para reverter à orientação das estruturas sociais que produzem desigualdades.

Mesmo o governo sendo signatário de vários tratados internacionais de não-discriminação e o RJU também a vede, as desigualdades de etnia e gênero entre os servidores existem, talvez não tão intensas quanto o mercado de trabalho em geral, mas nos indica que a administração pública não tem se esmerado em gerenciar esta diversidade no sentido de equiparar estas diferenças nas designações para cargos, promoções, funções a fim de compensar com eventuais medidas afirmativas estas desigualdades.

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